Porque estamos tão vazios e infelizes?
“O ser humano da pós-modernidade parece encontrar-se mais perdido, vazio e infeliz do que nunca, numa onda de incertezas, fragmentações e troca constante de valores”.
Estamos rodeados de conquistas tecnológicas, que contribuíram para a nossa organização prática da vida, mas parece que o ser humano atual está cada vez mais sem referências. Embora tenha muito não é feliz e cada vez mais vive um grande vazio. A insegurança e o medo da morte só aumentam. O sentido da vida passa por um esvaziamento cada vez maior, na medida em que é buscado em lugares onde não pode ser encontrado.
As ciências que se ocupam com a subjetividade e o comportamento humano (como, por exemplo, a psiquiatria e as muitas linhas das psicologias) evoluíram em suas análises trazendo importantes contribuições pelo resultado de suas pesquisas. Todas apresentam, de alguma forma, propostas de melhorias para as crises existenciais e o sentimento humano. No entanto, percebe-se que, por mais que se avança tecnologicamente e cientificamente, a espécie humana encontra-se cada vez mais fragilizada, adoecida emocionalmente, como também relacionalmente.
Enrique Rojas nos ajuda a refletir sobre esses aspectos ao destacar que na base da fragilização da pós-modernidade está a distorção dos valores. Segundo o autor cada vez mais troca-se valores consistentes por outros muito frágeis que estariam pautados especialmente no hedonismo, permissividade, materialismo, relativismo e individualismo.
Na sequência descrevo algumas de suas ideias sobre cada uma dessas características destacadas em seu livro “O homem moderno” (Rojas, 1996).
HEDONISMO
A lei máxima do comportamento é o prazer acima de tudo, a qualquer preço, em que há uma busca constante e ascendente por cotas cada vez mais altas de bem-estar, prazer, satisfação imediata e a busca de uma série de sensações cada vez mais novas e excitantes. Isso traz como consequência a morte dos ideais e a ausência de sentido, sendo que sempre a urgência do momento é o prazer e a tranquilidade e não o que realmente é importante. Uma coisa é desfrutar a vida e saboreá-la (o que é psicologicamente saudável), mas, outra é objetivar um frenesi de diversão sem restrições, pois indica a morte dos ideais. O código do Hedonismo é a permissividade.
PERMISSIVIDADE
Há uma busca ávida pelo prazer, que ocorre sem nenhum questionamento, em que se contempla a vida como um gozo ilimitado. A permissividade significa que não temos proibições nem territórios vedados ou impedimentos que nos segurem. Ela se sustenta sobre uma tolerância total, que considera tudo válido e lícito, não gosta de regras e permite qualquer coisa para satisfazer o desejo. Um exemplo claro disso é a televisão: o importante é ganhar audiência de qualquer forma, recorrendo à pornografia, à violência ou programas sensacionalistas, sendo que tudo convida ao descompromisso. Dessa forma, surgem na sociedade a indiferença e a insensibilidade que leva o ser humano a vivenciar a falta de substância impregnada de vazio existencial. O ser humano permissivo não tem pontos de apoio, é convertido num ser livre que se movimenta para todos os lados, mas não sabe para onde vai. Vivencia o tédio, o aborrecimento e uma forma especial de tristeza. Aflora uma nova paixão, a paixão pelo nada. O hedonismo e a permissividade estão costurados pelo materialismo.
MATERIALISMO (CONSUMISMO)
A sociedade atual, com seu complexo sistema de produção e distribuição, se constrói excessivamente focada no material. Numa sociedade focada no material cria-se uma sociedade de consumo, que crê que você vale o quanto você tem. Nela a pessoa é valorizada pelo que tem e não pelo que é. É o império do materialismo, do consumismo. O ter é mais valorizado do que o ser. O ter é quem define a identidade, pois ter é ser, é ter status. Ter significa ser alguém. Por isso empreende-se uma caminhada de comprar e ter cada vez mais, numa busca por completar-se como pessoa na obtenção de coisas. Isso transforma o ser humano em alguém inseguro, pois nessa luta em ter para ser alguém, parece que nunca se tem o suficiente. Dessa forma, as aspirações mais profundas se transformam gradativamente em aspirações materiais. O ideal de consumo é a contínua substituição de objetos, por outros cada vez mais refinados. A propaganda de massa cria para nós falsas necessidades. Deseja-se tudo o que a propaganda apresenta, mesmo que não seja muito útil. Objetos cada vez mais refinados provocam um desejo impulsivo de comprar. O consumismo hedonista permite escolher tudo a nosso bel-prazer. Comprar, gastar e possuir é a busca por uma experiência de liberdade. O ser humano vai, cada vez mais, se enfraquecendo diante disso. Pois vai percebendo que por mais que compre não consegue ser alguém completo. O sentimento que se instala é de nulidade. Um sujeito focado no material, angustiado na percepção do enfraquecimento de sua identidade medida pelo que possui, acaba percebendo que para ter o poder de compra das formas de prazer que lhe libertem do sentimento angustiante da nulidade precisa de quantidades de dinheiro cada vez maiores. Passa a ter esse objetivo na vida: ganhar cada vez mais dinheiro. Isso é o que lhe move na vida. A experiência da felicidade passa a ser vista como um artigo de compra, seja na forma de se alimentar, vestir, morar, locomover ou posicionar-se socialmente. Desenvolve a crença de que se para ser é preciso ter, então é preciso possuir muito dinheiro para que se possa comprar tudo o que a mídia nos faz entender que nos faz alguém mais importante. Segue-se, então, numa busca frenética para ter mais e mais dinheiro para melhorar a casa, as roupas, comidas, carros potentes etc. Dessa forma, desenvolve-se a crença de que para ser feliz é preciso ter muito dinheiro, é ter cada vez cotas mais altas de capital disponível para ter acesso a mais e mais condições para incrementar o material. Nessa caminhada vale tudo. Tudo é permitido. Sem proibições e sem uma ética como código moral. Para se ter passa a ser lícito qualquer coisa, até mesmo roubar e enganar o próximo. Aliás, o outro faz parte do jogo de interesses na busca pelo ter. Especialmente se esse outro contribuir para esse fim. Caso contrário, poderá vir a ser descartável, assim como qualquer outro objeto que exige ser trocado por outro mais novo, que valorize o status e reforce uma identidade hedonista. O materialismo costurando o hedonismo e a permissividade produz vidas vazias e conduz à ideia de que tudo é relativo.
RELATIVISMO
O relativismo se apresenta como um novo código ético na atualidade. Tudo depende, qualquer análise pode ser positiva ou negativa, não há nada absoluto, nada é totalmente bom nem mau. Evidencia-se então uma tolerância em que nasce a indiferença. O relativismo gera o ceticismo. Para o relativismo a verdade é uma coisa que está em constante mudança, move-se de um lado para o outro, segundo o juízo de cada um. Disso emerge um ser humano pessimista, desiludido, indiferente à verdade por comodismo, não se aprofunda em questões importantes. Surge então a ideia do senso comum como um juiz: “o que a maioria disser é verdade”. As pessoas dessa forma seguem o consenso da maioria sem nem se darem conta disso. O certo e o errado vai sendo formatado pela mídia e/ou o fluxo da maioria. Um ser humano hedonista, permissivo, consumista e centrado no relativismo sofre de uma espécie de melancolia, vivendo a condição de objeto manipulado, dirigido e tiranizado por estímulos deslumbrantes, mas que não o gratificam e o fazem cada vez mais infeliz. Dessa forma, o ser humano se torna frio, neutro, sem compromisso e não se preocupa com a justiça, nem com os problemas sociais, e muito menos com o próximo. É a era do egoísmo, do individualismo.
INDIVIDUALISMO
Os relacionamentos humanos mostram-se cada vez mais deteriorados. O outro é um mero personagem em uma história de interesses pessoais e individualistas, podendo ser descartado assim que não servir mais aos desejos egoístas. Até mesmo Deus é tratado desta forma (e pelos cristãos), como se fosse o servo, o garçom que deve estar disponível às necessidades e interesses humanos sempre que este desejar e que não interfira quando quer liberdade para viver conforme seus desejos egoístas. Por isso, o caráter humano se encontra fragilizado e infelizmente acaba por reproduzir seu caráter superficial na próxima geração.
Atualmente predomina a ideia de que vivendo de acordo com esses valores seremos livres, felizes e completos. Enrique Rojas nos alerta que isso é um engano e que não há medicamento e nem terapia que possam tornar alguém assim realizado internamente. Os males da pós-modernidade são indicativos de que, ao contrário do que se propõe, o ser humano está cada vez mais inseguro. Enfrentá-los significa rever os valores distorcidos da atualidade e estabelecer valores mais consistentes para a nossa vivência. Segundo o autor, os valores que fornecem raízes consistentes estão especialmente pautados na alegria, amizade, integridade e solidariedade. Acrescentaria ainda o amor, a espiritualidade, a fé e a solitude. Nossa sociedade precisa reencontrar esse caminho.