"Ele não fala"! "Ela não ouve"!
"Ele não fala"! "Ela não ouve"! Estas são queixas recorrentes entre muitos casais. Sendo, muitas vezes o inverso (“Ele não ouve”! “Ela não fala”). Essa dinâmica relacional me faz lembrar do casal descrito em Provérbios 21.9 e 19: “Melhor é viver num canto sob o telhado do que repartir a casa com uma mulher briguenta”. “Melhor é viver no deserto do que com uma mulher briguenta”.
Temos aqui um marido isolado e uma esposa implicante. Se algum conselheiro ou terapeuta se emparelhar com o "coitado do marido que convive com uma mulher briguenta" ou com a "coitada da esposa que convive com um marido distante", esse casal obterá pouca ajuda para sair de sua disfuncionalidade relacional. Ao invés de julgar quem está certo ou errado, será bem mais proveitoso perceber a dinâmica funcional do casal. O casal em questão apresenta uma dinâmica em que ambos os cônjuges assumem posturas de manutenção retroalimentativa num ciclo vicioso e repetitivo.
Michelle Scheinkmann apresenta o “Ciclo de Vulnerabilidades” para explicar a dinâmica relacional de um casal. A terapeuta de casais explica que o termo vulnerabilidades é utilizado para referir à sensibilidade trazida das histórias passadas das pessoas e dos contextos atuais de suas vivências e de seus relacionamentos. Para Sheinkman, as feridas permanecem sensíveis ao toque e quando as vulnerabilidades são acionadas pela dinâmica relacional do casal, produzem dor intensa e reatividade. As vulnerabilidades podem advir de padrões disfuncionais da família de origem, ou de outras relações e contextos, como também de situações de estresses de um ou ambos os cônjuges da vida atual. Muitos outros aspectos podem estar na origem das vulnerabilidades e não iremos aprofundá-los aqui.
O que vale destacar é que quando as vulnerabilidades forem acionadas, dentro do contexto conjugal, podem desencadear processos de auto-proteção e reação. Sheinkman denomina esses processos reativos de “estratégias de sobrevivência” que as pessoas utilizam para gerenciar suas vulnerabilidades e manter um senso de integridade e controle emocional em situações difíceis. Essas estratégias surgem especialmente ao longo do desenvolvimento na convivência com a família de origem, de quem herdamos os principais padrões relacionais. Mas vão se ampliando na medida em que surgem novas crenças sobre como gerenciar melhor as vulnerabilidades em nossos relacionamentos. Esses aspectos têm alta relevância para a compreensão do funcionamento do casal. Quando surge uma ameaça na convivência conjugal as “estratégias de sobrevivência” são ativadas. Elas têm um valor de proteção que dão uma sensação de segurança e controle. No entanto, Sheinkman alerta que são soluções contraproducentes para a relação conjugal, pois tendem a estimular exatamente o que se está tentando evitar, ou seja, ao invés de conquistar o outro como parceiro que compreenda a situação, acaba-se colocando-o também na defensiva.
No caso do casal de Provérbios 21 ambos utilizam “estratégias de sobrevivência”, ela de ataque e ele de isolamento. O marido, diante da esposa briguenta se sente atacado, invadido e acuado. Reativamente ele atua se isolando, silenciando e se distanciando. A esposa, diante do isolamento do marido se sente rejeitada, abandonada e muito irritada. Reativamente atua brigando, atacando e cobrando. Esse casal funciona num mecanismo de reatividade em que retroalimentam um ciclo repetitivo e disfuncional. A forma como um age influencia o outro e a forma como o outro age em resposta influencia o anterior. E assim seguem sucessivamente. Num esquema circular, quanto mais ele se isola, mais ela implica e quanto mais ela implica, mais ele se isola. Ao invés de posturas de pró atividade buscando a construção do vínculo, há apenas duas pessoas reagindo ao que o outro faz, em que cada um busca sobreviver num mecanismo de reatividade cíclica.
Se ele se dispusesse a aprender a falar assertivamente e ela de ouvir atenciosamente poderiam romper com essa repetição disfuncional. O diálogo é um recurso poderoso que pode acionar verdadeiros milagres. Dialogar envolve conversar, falar e escutar alternadamente, trocar ou discutir ideias, opiniões, conceitos, expor sentimentos, compartilhar sonhos, medos e fracassos ou procurar solucionar problemas. Dialogar é um aprendizado de reciprocidade em que ambos se responsabilizam em prestar atenção no parceiro, naquilo que diz, sente, pensa e deseja.
Segundo Reuel Howe “a cura de uma relação não pode ocorrer quando os participantes se consideram indivíduos separados, com o direito de requerer os serviços do outro. A cura pode vir somente quando ambos são capazes de voltar-se diante do outro, aceitar o risco de entregar-se em amor, e sondar a si mesmo na busca de qualquer mudança que seja necessária”.